terça-feira, 29 de setembro de 2009

Este poeta vos deixo...

António Aleixo, foi polícia, servente de pedreiro em França, cauteleiro, guardador de rebanhos, cantor popular de feira em feira.
Praticamente analfabeto, este poeta algarvio costuma ser menosprezado e catalogado depreciativamente como poeta popular. Porém, o valor de um homem vai muito além da formação e dos meios que a vida nem sempre proporciona a todos. Homem do povo, maltratado pela vida, mas há em alguns dos seus versos «uma correcção de linguagem e, sobretudo, uma expressão concisa e original de uma amarga filosofia, aprendida na escola impiedosa da vida, que não deixam de impressionar» (cf.
Fundação António Aleixo).



Quadras

A vida é uma ribeira;
Caí nela, infelizmente…
Hoje vou, queira ou não queira,
Aos trambolhões na corrente.

Crês que ser pobre é não ter
Pão alvo ou carne na mesa?
Mas é pior não saber
Suportar essa pobreza!

O luxo valor não tem
Nos que nascem p’ra pequenos:
Os pobres sentem-se bem
Com mais pão luxo a menos!

A esmola não cura a chaga;
Mas quem a dá não percebe
Ou ela avilta, que ela esmaga
O infeliz que a recebe.

A ninguém faltava o pão,
Se este dever se cumprisse:
- Ganharmos em relação
Com o que se produzisse.

O homem sonha acordado;
Sonhando a vida percorre…
Edesse sonho dourado
Só acorda, quando morre!

Quantas, quantas infelizes
Deixam de ser virtuosas…
E depois são seus juízes
Os que as fazem criminosas!...

Sem que o discurso eu pedisse,
Ele falou; e eu escutei.
Gostei do que ele não disse;
Do que disse não gostei.

Tu, que tanto prometeste
Enquanto nada podias,
Hoje que podes – esqueceste
Tudo quanto prometias…

Chegasses onde pudesses;
Mas nunca devias rir
Nem fingir que não conheces
Quem te ajudou a subir!

Os que bons conselhos dão
Às vezes fazem-me rir,
- Por ver que eles próprios são
Incapazes de os seguir.

Mesmo que te julguem mouco
Esses que são teus iguais,
Ouve muito e fala pouco:
Nunca darás troco a mais!

Entra sempre com doçura
A mentira, pr’a agradar;
A verdade entra mais dura,
Porque não quer enganar.

Se te censuram, estás bem,
P’ra que a sorte te perdure;
Mal de ti quando ninguém
Te inveje nem te censure!

António Aleixo, 1899-1949

Visite o site da Fundação António Aleixo e saiba mais sobre este homem extraordinário.

9 comentários:

Anónimo disse...

E ainda aquela quadra célebre:

Vós que do alto do vosso Império,
Prometeis um Mundo novo,
Calai-vos que pode o Povo,
Querer um Mundo novo a sério.

António Aleixo

Carlos Dias disse...

Este poeta fascina-me pela singelesa dos seus versos, sempre tão actuais que se podia dizer que foram escritos hoje.
Só frequentou a escola primária até à segunda classe. Foi um professor seu amigo que lhe corrigiu os erros de português nos papeis onde escrevia os seus pensamentos em verso. Olhem este:

A Rica tem nome fino,

A Pobre tem nome grosso,

A Rica teve um menino,

A pobre pariu um moço.

Isto diz da riqueza do seu pensamento e das desigualdades que observava e que, tal como então, hoje são ainda mais gritantes. Que pena António Aleixo não ser vivo ainda...
Abração
Carlos Dias

Carlos Dias disse...

E estes não lhe ficam atrás:

Quem na vida a fé perder,
E não tem fé no provir,
É morto que anda de pé
E se esqueceu de cair.

Meu coração, sem tardar,
De tristeza se estilhaça,
Quando vejo alguém troçar,
De quem vive na desgraça.

Se o saber muito é riqueza,
Como diz o meu avô,
Não sou rico com certeza,
Mas pobre também não sou

Abração
Carlos Dias

Carlos Dias disse...

Desculpem insistir neste Poeta tão do Povo, que foi um crime não divulgar a sua Obra. Ele, marcou-me na minha adolescência, quando comecei a perceber as mensagens que nos transmitia. Deculpem a insistência, mas aqui vai mais uma quadra que "diz muito":

Muito contra o meu desejo,

Sem lhe q´rer dizer porquê,

Finjo sempre que não vejo,

Quem finge que não me vê.

Isto refere-se aos amigos que fingiam que não o viam, quando se cruzavam com ele, maltrapilho, cauteleiro, um indigente, mas um HOMEM.
Abração
Carlos Dias

Carlos Dias disse...

Cada dia que passa me vem à mente quadras do António Aleixo, e como elas são genuínas e nos dão lições de Vida. Olhem esta:

Sei que pareço um ladrão...

Mas há muitos que conheço,

Que, sem parecer o que são,

São aquilo que eu pareço.

O fim da sua vida foi um mal-trapilho que mais parecia um ladrão. Mas há tantos que bem vestidos, são aquilo que ele parecia. Ladrões.
Abração
Carlos Dias

Carlos Dias disse...

Aleixo morreu tuberculoso em Tavira.
Ainda escreveu esta quadra que nos fala da cor amarelada da sua cara com a tuberculose que lhe trouxe a morte:

Porque o mundo me empurrou,

caí na lama, e então

tomei-lhe a cor, mas não sou

a lama que muitos são.

Um abração
Carlos Dias

Carlos Dias disse...

Perdoem-me mais comentários sobre Aleixo:

Quando os Homens se convençam
Que à força nada se faz,
Serão f’lizes os que pensam
Num mundo de amor e paz.

Quem prende a água que corre
É por si próprio enganado;
O ribeirinho não morre,
Vai correr por outro lado.

Julgando um dever cumprir,
Sem descer no meu critério,
- Digo verdades a rir
Aos que me mentem a sério!

Carlos Dias disse...

Prometo que estas são as últimas de António Aleixo, porque sinto que vos estou maçando com tanta poesia, abusando do Blogue do Orlando que é mais abrangente.

Vinho que vai para vinagre

não retrocede o caminho;

só por obra de milagre,

pode de novo ser vinho.

«»

Eu não tenho vistas largas,

nem grande sabedoria,

mas dão-me as horas amargas

lições de filosofia.

«»

Mentiu com habilidade,

fez quantas mentiras quis;

agora fala verdade

ninguém crê no que ele diz.

Abração e desculpem-me.
Carlos Dias

Carlos Dias disse...

Eu sei que estou a ser chato com tanto António Aleixo. Mas estou certo que o Diácono Orlando me perdoará por este pecado:Gostar que as pessoas dêm valor à poesia genuina de António Aleixo.
Como já foi dito antes, Aleixo morreu pobrissimo, tuberculoso, vendendo cautelas em Tavira e poemas rascunhados num papel a quem tinha pena dele e lhos comprava. Serão estes os versos que um anónimo lhos comprou dois dias antes da sua morte:

Sou humilde, sou modesto,
Mas, entre gente ilustrada
Talvez me digam que presto,
Porque não presto para nada.

O Destino, por ser forte,
Esta má sorete me deu:
De ter de vender a Sorte,
Aos mais felizes que eu.

Há pessoas muito altas,
De nome ilustrado e sério,
Porque o oiro tapa as faltas,
da Moral e do Critério.

Eu já não sei o que faça,
P`ra juntar algum dinheiro,
se se vendesse a Desgraça,
Já hoje eu era banqueiro.

Agora termino. que grande poeta do Povo, não teve as horas que merecia. Nasceu pobre, pobre morreu, doente e maltrapilho.
Mas existe a Fundação António Aleixo, dedicada a praticar o Bem, que infelizmente ele nunca sobe o que era.
Abração
Carlos Dias