
Praticamente analfabeto, este poeta algarvio costuma ser menosprezado e catalogado depreciativamente como poeta popular. Porém, o valor de um homem vai muito além da formação e dos meios que a vida nem sempre proporciona a todos. Homem do povo, maltratado pela vida, mas há em alguns dos seus versos «uma correcção de linguagem e, sobretudo, uma expressão concisa e original de uma amarga filosofia, aprendida na escola impiedosa da vida, que não deixam de impressionar» (cf. Fundação António Aleixo).
Quadras
A vida é uma ribeira;
Caí nela, infelizmente…
Hoje vou, queira ou não queira,
Aos trambolhões na corrente.
Crês que ser pobre é não ter
Pão alvo ou carne na mesa?
Mas é pior não saber
Suportar essa pobreza!
O luxo valor não tem
Nos que nascem p’ra pequenos:
Os pobres sentem-se bem
Com mais pão luxo a menos!
A esmola não cura a chaga;
Mas quem a dá não percebe
Ou ela avilta, que ela esmaga
O infeliz que a recebe.
A ninguém faltava o pão,
Se este dever se cumprisse:
- Ganharmos em relação
Com o que se produzisse.
O homem sonha acordado;
Sonhando a vida percorre…
Edesse sonho dourado
Só acorda, quando morre!
Quantas, quantas infelizes
Deixam de ser virtuosas…
E depois são seus juízes
Os que as fazem criminosas!...
Sem que o discurso eu pedisse,
Ele falou; e eu escutei.
Gostei do que ele não disse;
Do que disse não gostei.
Tu, que tanto prometeste
Enquanto nada podias,
Hoje que podes – esqueceste
Tudo quanto prometias…
Chegasses onde pudesses;
Mas nunca devias rir
Nem fingir que não conheces
Quem te ajudou a subir!
Os que bons conselhos dão
Às vezes fazem-me rir,
- Por ver que eles próprios são
Incapazes de os seguir.
Mesmo que te julguem mouco
Esses que são teus iguais,
Ouve muito e fala pouco:
Nunca darás troco a mais!
Entra sempre com doçura
A mentira, pr’a agradar;
A verdade entra mais dura,
Porque não quer enganar.
Se te censuram, estás bem,
P’ra que a sorte te perdure;
Mal de ti quando ninguém
Te inveje nem te censure!
António Aleixo, 1899-1949