terça-feira, 6 de maio de 2014
Poesia no café da Lomba
À sombra está frio.
Se estás ausente
Saudades desfio.
À sombra faz frio,
Mas o sol é quente!
Da saudade rio
Se estás presente.
sábado, 3 de outubro de 2009
A pedra filosofal
Pedra Filosofal
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
quinta-feira, 1 de outubro de 2009
Poesia portuguesa
EM QUE SE FALA DO MENINO JESUS
I
Fiz a maldade e olhei Jesus,
Ele baixou os olhos e corou,
e toda a gente julgou,
que quem fez a maldade foi Jesus.
E todos Lhe perdoaram.....
II
- Obrigado, Menino. Mas agora,
tira os olhos do bibe e vem brincar,
que eu prometo, pra não Te ver corar,
já não fazer das minhas.
Anda jogar ao pé das flores, no chão,
comigo às pedrinhas...;
anda jogar, pra esqueceres
o preço do meu perdão.
Sebastião da Gama, 1924-1952

terça-feira, 29 de setembro de 2009
Este poeta vos deixo...

Praticamente analfabeto, este poeta algarvio costuma ser menosprezado e catalogado depreciativamente como poeta popular. Porém, o valor de um homem vai muito além da formação e dos meios que a vida nem sempre proporciona a todos. Homem do povo, maltratado pela vida, mas há em alguns dos seus versos «uma correcção de linguagem e, sobretudo, uma expressão concisa e original de uma amarga filosofia, aprendida na escola impiedosa da vida, que não deixam de impressionar» (cf. Fundação António Aleixo).
Quadras
A vida é uma ribeira;
Caí nela, infelizmente…
Hoje vou, queira ou não queira,
Aos trambolhões na corrente.
Crês que ser pobre é não ter
Pão alvo ou carne na mesa?
Mas é pior não saber
Suportar essa pobreza!
O luxo valor não tem
Nos que nascem p’ra pequenos:
Os pobres sentem-se bem
Com mais pão luxo a menos!
A esmola não cura a chaga;
Mas quem a dá não percebe
Ou ela avilta, que ela esmaga
O infeliz que a recebe.
A ninguém faltava o pão,
Se este dever se cumprisse:
- Ganharmos em relação
Com o que se produzisse.
O homem sonha acordado;
Sonhando a vida percorre…
Edesse sonho dourado
Só acorda, quando morre!
Quantas, quantas infelizes
Deixam de ser virtuosas…
E depois são seus juízes
Os que as fazem criminosas!...
Sem que o discurso eu pedisse,
Ele falou; e eu escutei.
Gostei do que ele não disse;
Do que disse não gostei.
Tu, que tanto prometeste
Enquanto nada podias,
Hoje que podes – esqueceste
Tudo quanto prometias…
Chegasses onde pudesses;
Mas nunca devias rir
Nem fingir que não conheces
Quem te ajudou a subir!
Os que bons conselhos dão
Às vezes fazem-me rir,
- Por ver que eles próprios são
Incapazes de os seguir.
Mesmo que te julguem mouco
Esses que são teus iguais,
Ouve muito e fala pouco:
Nunca darás troco a mais!
Entra sempre com doçura
A mentira, pr’a agradar;
A verdade entra mais dura,
Porque não quer enganar.
Se te censuram, estás bem,
P’ra que a sorte te perdure;
Mal de ti quando ninguém
Te inveje nem te censure!
António Aleixo, 1899-1949
segunda-feira, 27 de abril de 2009
Relógio de sol
Sol e sombra dão a hora,
Mas se o sol desaparece,
Só há sombra, não há hora.
Quisera sentir a vida
Como o relógio de sol:
Só marca as horas felizes;
As outras não estão no rol.
Monsenhor Nunes Pereira
quarta-feira, 1 de abril de 2009
Nos dentes da minha forquilha
Um homem, que por acaso já morreu,
Vira-se ao Padre do Colmeal,
Que, coitado, também já morreu,
De rosto muito sério e natural:
«Senhor Prior, estamos na Quaresma:
Faremos penitência em tudo!
Mas ficou-me um pedaço de carne
Preso nos dentes desde o Entrudo...
E, então, venho perguntar-lhe,
Uma vez que o tenho lá,
Se seria, agora, pecado
Se eu o fosse comer já...»
«Se lá ficou pelo Entrudo
Acaba o que está começado:
Sossega e vai em paz,
Pois não é nenhum pecado!»
«Muito obrigadinho, Senhor Prior!
Estou-lhe muito agradecido!
Nos dentes da minha forquilha
Há um presunto a ser comido!...»
quarta-feira, 24 de dezembro de 2008
Branca estais colorada
Branca estais colorada,
Virgem sagrada.
Em Belém, vila do amor,
Da Rosa nasceu a Flor:
Virgem sagrada.
Em Belém, vila do amor,
Nasceu a Rosa do Rosal:
Virgem sagrada.
Da Rosa nassceu a Flor,
Para nosso Salvador:
Virgem sagrada.
Nasceu a Rosa do Rosal,
Deus e homem natural:
Virgem sagrada.
terça-feira, 23 de dezembro de 2008
Um soneto de Natal
Em que me faz jazer minha desgraça,
A desesperação me despedaça,
No mesmo instante, o frágil sofrimento.
Mas súbito me diz o pensamento,
Para aplacar-me a dor que me traspassa
Que Este que trouxe ao mundo a Lei da Graça,
Teve num vil presepe o nascimento.
Vejo na palha o Redentor chorando,
Ao lado a Mãe, prostrados os pastores,
A milagrosa estrela os reis guiando.
Vejo-O morrer depois, ó pecadores,
Por nós, e fecho os olhos, adorando
Os castigos do Céu como favores.
quinta-feira, 18 de dezembro de 2008
Está perto!
Este é o tempo da Senhora do Ó. Chama-se assim porque começou ontem (dia dezassete) a chamada novena do Natal, na qual as Vésperas (oração da tarde da Liturgia das Horas) têm para cada dia uma antífona a Jesus Cristo que começa por «Ó»: «Ó Sabedoria,…»; «Ó Chefe da casa de Israel, …».
Neste espírito de proximidade do Natal, festa que nos diz tanto, quer sejamos cristãos ou não, mais praticantes ou menos, aqui fica um poema de Natal de Miguel Torga, com o grande mérito literário que lhe era próprio.
HISTÓRIA ANTIGA
Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.
E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.
Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.
Miguel Torga
(Antologia Poética, Ed. do Autor, Coimbra 1981)
quinta-feira, 11 de setembro de 2008
Setembro
Jorram do céu as primeiras chuvas.
Grandes feiras animam as praças.
Despem-se as vinhas das tintas uvas.
Tintas e brancas enchem poceiros
Em doce, pegajoso vindimar;
Acartadas em ladeiras de suor,
Pisam-se e fermentam no lagar.
Vai-se o calor mas ainda haverá
Dias felizes p'ra festejar.
Céu de prata, chuva de cristal
Refrescando a terra e o ar.
terça-feira, 13 de maio de 2008
Poeta ou arrumador de versos?
Há tantas e tantas Lombas
Mas não são todas iguais.
Dessas terras uma é diferente
Pois a essa eu quero mais.
Arrumador de versos, certamente! No entanto, tenham paciência e aceitem esta quadra pelo menos como um incentivo. Sim, um incentivo a vocês próprios enviarem (para arganilando@gmail.com) criações poéticas da vossa lavra.