sábado, 26 de março de 2011

(Mais) expressão oral lombense

Hoje trago-vos mais algumas formas de falar características da nossa zona, nomeadamente da Lomba. Qualquer dia criamos um dicionário!

Apoquentar

Os lombenses de outros tempos também se preocupavam com os problemas da vida, mas não chamavam a isso “preocupar-se”, mas sim “apoquentar-se”. Andar apoquentado é andar preocupado ou atormentado interiormente, com o espírito desassossegado. É ter “arrelias”, palavra que também está bastante presente no contexto lombense tradicional. Do mesmo modo, apoquentar alguém é arreliar uma pessoa, desassossegá-la, incomodá-la fazendo-lhe maldades, ou então trazendo-lhe novidades preocupantes.


Chilrito

“Chilrito” significa o mesmo que “pinguito” (palavra também usada entre nós). A palavra “chilrito” aplica-se, normalmente, ao vinho (aliás, nem lhe conheço outro uso!): “Põe aqui um chilrito de vinho.”


Bem hajas

Esta é a fórmula de agradecimento tradicional em todo o Portugal: “bem hajas”, ou seja, “que tenhas bem”; ou no plural, “bem hajam”. O verbo “haver” (que tanto pode significar “ter” como “existir”) conjugado no optativo (modo que exprime desejo) dá à frase uma grande beleza.

Na opinião de muitos, é uma fórmula mais bela do que o actual “obrigado”. Ainda assim, convém esclarecer que, ao agradecermos com um “obrigado”, não estamos a dizer que a pessoa que nos fez o favor tenha sido obrigada a fazê-lo; pelo contrário, eu é que fico obrigado, isto é, fico em obrigação para com a pessoa que me fez o favor. Nesse aspecto, o “bem hajas” não é tão retributivo mas, por outro lado, é mais gratuito, menos comercial e, portanto, mais puro, na medida em que olha o favor recebido como um puro dom, vindo de alguém que nada espera em troca, e, por isso, não se compromete a dar uma paga: limita-se a desejar bem.

7 comentários:

Carlos Dias disse...

Boa Tarde Padre Orlando
Muitos parabéns pela explicação do Obrigado e do Bem Haja. Perfeita. Mas acho que nós Beirões temos um certo carinho pelo Bem Haja, talvez pela forma como fomos educados pelos nossos avós, a quem sempre ouvi "Bem Haja Comadre", "Bem Haja Prima", muitas vezes sem qualquer parentêsco, mas como dizia o Poeta "todos somos primos e primas"
Abraço
Carlos Dias

Carlos Dias disse...

Viva Padre Orlando
Relativasmentre ao que comentei sobre Bem Haja, esqueci-me que também era usual qualquer pessoa ao ouvir Bem Haja, respondesse "Nanja por isso", que hoje em dia quereria dizer "de modo nenhum" ou "não por isso" ou "deforma alguma alguma"
Abraço

Carlos disse...

Viva Padre Orlando
lembrei-me agora de outro termo da minha infância. Para rezar o Credo, dizia-se o "Condespadre todo poderoso....etc, etc".
Temos que imaginar um lugarejo (Vale do Cordeiro) onde não era prática corrente ir à Eucaristia, pois nem transportes havia para Arganil. Ia-se ao Monte Alto em Agosto e nada mais. Mas não era por isso que se era menos Critão do que nos dias de hoje. Nunca se deitavamos, sem que, à luz da candeia de azeite se rezasse pela fámíla, pela minha alma da mãe que havia falecido, pelo Santo protector. Dizia orações, que hoje já nem me lembro, como por exemplo para afastar as Trovoadas (São Gregório se levantou, seus pés suas mãos lavou e seu caminho tomou. Indo lá para diante com Jesus Cristo se encontrou...)
Abração

Anónimo disse...

Caro Comentador Carlos Dias
Penso que o texto que referiu (condespadre) se deve ao tempo em que as Missas eram ditas em Latim e o povo não percebia o que o Padre lia. De facto em Latim o Credo é "Credo in Deum Patrem" e daí o aportuguesamento para Conespadre.. Ao Padre Orlando para comentar.

P. Orlando Henriques disse...

“Condespadre”, de facto, não pode ser senão uma deturpação popular de alguma coisa. Porém, não creio que seja a partir do latim, pelo contrário, parece-me até de origem bem portuguesa.

Se é uma deturpação do Credo, o mais certo é ser uma deturpação do “Símbolo dos Apóstolos”, também conhecido por “Credo pequeno”. O “Credo grande” é o “Símbolo niceno-constatinopolitano” (que é o que hoje rezamos mais habitualmente e que tem esse nome porque resulta das afirmações doutrinais dos concílios de Niceia e Constantinopla; enquanto Símbolo dos Apóstolos tem esse nome porque remonta aos tempos apostólicos). Estou convencido que era o Símbolo dos Apóstolos que as pessoas aprendiam e rezavam, tanto que ainda hoje muitas pessoas mais velhas dizem que só sabem o Credo pequeno.

Ora, as primeiras palavras do “Credo pequeno” são: «Creio em Deus, Pai todo-poderoso, Criador do Céu e da Terra…», onde encaixa perfeitamente a deturpação “condespadre”, se pensarmos na seguinte evolução:

1.Creio em Deus Padre Todo-poderoso
2. Creio em De’s Padre Todo-poderoso
3. Crei’ em De’s Padre Todo-poderoso
4. C’[o] m De’s Padre Todo-poderoso

Quando se fala à pressa, é muito fácil as palavras “Creio em” fundirem-se numa só e acabarem por se transformar num “Com”. E ainda mais fácil é cair o “u” de “Deus”, transformando-se em “Dês”.
Em latim, o “Credo pequeno” começa por: «Credo in Deum Patrem …»
Em latim, o “Credo grande” começa por: «Credo in unum Deum…»
Nem uma coisa nem outra poderiam dar origem a “Condespadre”. Só se a deturpação derivasse de outra parte do Credo…
Além disso, não sei se o povo chegava a ouvir o Credo rezado pelo Padre, mas o mais provável é que nem sequer ouvisse, porque, antes da reforma litúrgica, não só a Missa era em latim como também grande parte das palavras eram ditas pelo Sacerdote em voz baixa (“vox submissa” é o termo técnico). Não sei se o Credo era dito em voz submissa ou não, mas, em todo o caso, estamos perante um povo que, como testemunha o Sr. Carlos, ia poucas vezes à Missa.
E, de qualquer maneira, “Condespadre” assenta que nem uma luva em «Creio em Deus Padre».

P. Orlando Henriques disse...

Aqui ficam os textos integrais das duas versões do Credo citadas:

Símbolo dos Apóstolos:

Creio em Deus,
Pai todo-poderoso, Criador do Céu e da Terra;
e em Jesus Cristo, seu único Filho, Nosso Senhor,
que foi concebido pelo poder do Espírito Santo;
nasceu da Virgem Maria;
padeceu sob Pôncio Pilatos,
foi crucificado, morto e sepultado;
desceu à mansão dos mortos;
ressuscitou ao terceiro dia;
subiu aos Céus,
onde está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso,
de onde há-de vir a julgar os vivos e os mortos.
Creio no Espírito Santo.
na santa Igreja Católica;
na comunhão dos Santos;
na remissão dos pecados;
na ressurreição da carne;
na vida eterna. Amen.


Credo niceno-constantinopolitano:

Creio em um só Deus,
Pai todo-poderoso,
Criador do céu e da terra
De todas as coisas visíveis e invisíveis.
Creio em um só Senhor, Jesus Cristo,
Filho Unigénito de Deus,
nascido do Pai antes de todos os séculos:
Deus de Deus, Luz da Luz,
Deus verdadeiro de Deus verdadeiro;
Gerado, não criado, consubstancial ao Pai.
Por Ele todas as coisas foram feitas.
E por nós, homens, e para nossa salvação
desceu dos céus
E encarnou pelo Espírito Santo,
no seio da Virgem Maria.
e Se fez homem.
Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos;
padeceu e foi sepultado.
Ressuscitou ao terceiro dia,
conforme as Escrituras;
e subiu aos céus,
onde está sentado à direita do Pai.
De novo há-de vir em sua glória,
para julgar os vivos e os mortos;
e o seu reino não terá fim.
Creio no Espírito Santo.
Senhor que dá a vida,
e procede do Pai e do Filho;
e com o Pai e o Filho
é adorado e glorificado:
Ele que falou pelos Profetas.
Creio na Igreja una, santa,
católica e apostólica.
Professo um só baptismo
Para remissão dos pecados.
E espero a ressurreição dos mortos,
e vida do mundo que há-de vir.
Amen.

Carlos Dias disse...

Boa tarde Padre Orlando
Acredito na justificação que dá. De facto, trata-se de pessoas que nem sabiam ler nem escrever (era o Carteiro Sr. Alfredo que lias as cartas ??? Postais que eram mais baratos). Eram os sons que deveriam ouvir uma vez por ano, aquando da Missa. Eu também com 2 anos dizia "Condespadre" repetindo o que a minha avó dizia.
Obrigado Padre Orlando por vir esclarecer (a mim e ao Visitante anónimo). Esperemos que disto não nasça uma polémica que não quero, nem se brinca com o Credo.
Abração